sexta-feira, 8 de maio de 2009

Miguel Rovisco..............



Nome: Miguel Rovisco
Nascimento: 1959, Lisboa
Morte: 1987, Lisboa

Dramaturgo português, nasceu em 1959, em Lisboa, e suicidou-se em 1987, na mesma cidade. Autor das obras Trilogia Portuguesa e Trilogia dos Heróis , além de numerosos textos inéditos, foi distinguido em 1986 com o Prémio Nacional de Teatro, cuja importância recusou receber. Postumamente, foram-lhe atribuídos os prémios Garrett, pela peça Retrato de uma Família Portuguesa , e Garrett para a Juventude, por Histórias de Tobias .

Bibliografia: Cobardias, Lisboa, 1988; Trilogia Portuguesa (O Bicho, Infância de Leonor de Távora, O Tempo Feminino), Lisboa, 1987; A História de Tobias, drama em dois actos, baseado no Livro de Tobias do Antigo Testamento, Lisboa, 1989; Retrato de uma Família Portuguesa, drama em três actos, Lisboa, 1989; O Homem Dentro do Armário, Lisboa, 1997



PEQUENA AUTOBIOGRAFIA

Eu nasci num dia de muita chuva, assim o afirma a minha mãe com espanto sempre que a nove de Dezembro a impertinência de umas nuvens breves a desaponta para lá das janelas. O meu pai desejava galhardamente que eu fosse um menino e essa foi a única alegria que eu lhe dei. (Fi-lo sem querer.) Na minha infância aprendi a recitar La Fontaine com a mais correcta das pronúncias, enquanto uma prima da minha bisavó nos chás das quartas-feiras declamava com agrado geral os alexandrinos arrebatados dos cardeais ceando. Ainda hoje se o astro rei brilha pelas alturas, este facto deve-se à modéstia da prima Adelaide que, enfim, não quis deixar Salamanca às escuras...

Depois fui crescendo e tornei-me grande. Tal sucede não apenas aos poetas mas a todos os meninos. (Há igualdade que vão mais cedo para o Céu e pelos quais não devemos chorar, pois foi Deus quem os chamou.) O Primeiro de Maio de mil novecentos e setenta e quatro, passei-o em casa, muito certo de que os acontecimentos daquele dia pelas ruas fora e pelo mundo não poderiam ser mais importantes que os desenrolados na Sagrada Rússia, cento e sessenta e dois anos atrás... – virando na expectativa as folhas do segundo volume. No Liceu de Pedro Nunes conheci por momentos uma felicidade impar, embora não me apercebesse na altura que os meus colegas eram mais puros dos heróis e que Virgílio acompanhava-me por todos os infernos e paraísos daqueles velhos corredores. Como a juventude desdenha a evidência! (Passados os vinte e cinco anos, ser-me-á permitido ironizar algum remorso mais vivo que desde então silenciosamente vem-me doendo – e muito.)

Quando constatei que o meu país não possuía um verdadeiro “teatro nacional” – lida algures esta expressão –, resolvi com toda a seriedade emendar este estado de coisas lamentável. Mas como? Da maneira que melhor me pareceu, ou seja, a leitura dos eternos clássicos traduzidos para português. Convenci-me logo que estava nas minhas capacidades escrever peças muitíssimos melhores – oh bem capaz! Então aqueles é que eram os shakespeares, os racines, os imortais do siglo de oro? Que esperassem por mim e já veriam... – até que um dia, por um desfastio fatal que me salvou, resolvi lê-los, aos coitados dos clássicos, na língua de origem. Hoje admiro-os inexcedivelmente, notando com orgulho a sua influência pelas entrelinhas do que escrevo. Azar aos tradutores da terra portuguesa!


... de resto, continuo a crescer. Em vez de grande, tendo agora tornar-me um pouco sábio, o que ninguém ignora constitui nestes tempos velozes o maior risco para se cair em pleno ridículo. Que faço na vida? Para além de uma dúzia de peças já escritas – estão na gaveta –, gosto de caminhar por Lisboa, aprecio o castelhano desembaraçadíssimo da santa de Ávila e tenho longas conversas de madrugada com a minha prima Adelaide, se estais lembrados. Há amores eternos. Concluímos teimosamente que as coisas vão mal, poderiam ir bem pior todavia! Melhorarão proventura se com esforço e honestidade... – ambos cremos que sim.




Miguel Rovisco

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