sábado, 19 de dezembro de 2009

Pina Bausch (1940-2009)

"É difícil falar de certas coisas. Como é que se pode falar deste desamparo que temos no mundo? O que é que fazemos com isso? Carregamos isso, esses sentimentos tão presentes. E há uma grande necessidade de gastar emoções." Pina Bausch

Prix Pictet 2009

Prix Pictet 2009 from tier1dc on Vimeo.

Mar..


Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.

E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo
É só porque as tuas ondas são puras.
Sophia de Mello Breyner

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Tempo....


“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

Fernando Pessoa

sábado, 12 de dezembro de 2009

Graal

Graal
Há uma outra leitura
dentro de cada poema.
Não se contente nunca
com um sentido apenas.
Há na superfície mesmo
escondida nas obviedades,
nas tônicas, nos termos,
nas vírgulas, na sintaxe,
uma pulsação que exala
o mistério das sensações,
uma alguma outra fala
que salta de formas e sons.
Sentidos muitos se tramam
em teias, em redes, impulso
onde o que nos humana
goza ao tocar o oculto.

domingo, 15 de novembro de 2009

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Outra vez Clarisse...


"Olhe para todos em seu redor e veja o que temos feito de nós. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.Temos construí­do catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construí­mos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possí­vel. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorrirí­amos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."


Clarice Lispector...

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Miguel Rovisco..............



Nome: Miguel Rovisco
Nascimento: 1959, Lisboa
Morte: 1987, Lisboa

Dramaturgo português, nasceu em 1959, em Lisboa, e suicidou-se em 1987, na mesma cidade. Autor das obras Trilogia Portuguesa e Trilogia dos Heróis , além de numerosos textos inéditos, foi distinguido em 1986 com o Prémio Nacional de Teatro, cuja importância recusou receber. Postumamente, foram-lhe atribuídos os prémios Garrett, pela peça Retrato de uma Família Portuguesa , e Garrett para a Juventude, por Histórias de Tobias .

Bibliografia: Cobardias, Lisboa, 1988; Trilogia Portuguesa (O Bicho, Infância de Leonor de Távora, O Tempo Feminino), Lisboa, 1987; A História de Tobias, drama em dois actos, baseado no Livro de Tobias do Antigo Testamento, Lisboa, 1989; Retrato de uma Família Portuguesa, drama em três actos, Lisboa, 1989; O Homem Dentro do Armário, Lisboa, 1997



PEQUENA AUTOBIOGRAFIA

Eu nasci num dia de muita chuva, assim o afirma a minha mãe com espanto sempre que a nove de Dezembro a impertinência de umas nuvens breves a desaponta para lá das janelas. O meu pai desejava galhardamente que eu fosse um menino e essa foi a única alegria que eu lhe dei. (Fi-lo sem querer.) Na minha infância aprendi a recitar La Fontaine com a mais correcta das pronúncias, enquanto uma prima da minha bisavó nos chás das quartas-feiras declamava com agrado geral os alexandrinos arrebatados dos cardeais ceando. Ainda hoje se o astro rei brilha pelas alturas, este facto deve-se à modéstia da prima Adelaide que, enfim, não quis deixar Salamanca às escuras...

Depois fui crescendo e tornei-me grande. Tal sucede não apenas aos poetas mas a todos os meninos. (Há igualdade que vão mais cedo para o Céu e pelos quais não devemos chorar, pois foi Deus quem os chamou.) O Primeiro de Maio de mil novecentos e setenta e quatro, passei-o em casa, muito certo de que os acontecimentos daquele dia pelas ruas fora e pelo mundo não poderiam ser mais importantes que os desenrolados na Sagrada Rússia, cento e sessenta e dois anos atrás... – virando na expectativa as folhas do segundo volume. No Liceu de Pedro Nunes conheci por momentos uma felicidade impar, embora não me apercebesse na altura que os meus colegas eram mais puros dos heróis e que Virgílio acompanhava-me por todos os infernos e paraísos daqueles velhos corredores. Como a juventude desdenha a evidência! (Passados os vinte e cinco anos, ser-me-á permitido ironizar algum remorso mais vivo que desde então silenciosamente vem-me doendo – e muito.)

Quando constatei que o meu país não possuía um verdadeiro “teatro nacional” – lida algures esta expressão –, resolvi com toda a seriedade emendar este estado de coisas lamentável. Mas como? Da maneira que melhor me pareceu, ou seja, a leitura dos eternos clássicos traduzidos para português. Convenci-me logo que estava nas minhas capacidades escrever peças muitíssimos melhores – oh bem capaz! Então aqueles é que eram os shakespeares, os racines, os imortais do siglo de oro? Que esperassem por mim e já veriam... – até que um dia, por um desfastio fatal que me salvou, resolvi lê-los, aos coitados dos clássicos, na língua de origem. Hoje admiro-os inexcedivelmente, notando com orgulho a sua influência pelas entrelinhas do que escrevo. Azar aos tradutores da terra portuguesa!


... de resto, continuo a crescer. Em vez de grande, tendo agora tornar-me um pouco sábio, o que ninguém ignora constitui nestes tempos velozes o maior risco para se cair em pleno ridículo. Que faço na vida? Para além de uma dúzia de peças já escritas – estão na gaveta –, gosto de caminhar por Lisboa, aprecio o castelhano desembaraçadíssimo da santa de Ávila e tenho longas conversas de madrugada com a minha prima Adelaide, se estais lembrados. Há amores eternos. Concluímos teimosamente que as coisas vão mal, poderiam ir bem pior todavia! Melhorarão proventura se com esforço e honestidade... – ambos cremos que sim.




Miguel Rovisco

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Hoje não vieste..........



Hoje não vieste, pergunto-me porquê. Ou terás
vindo, sem sobressalto para os meus olhos ?
Duvido de ti. Mais ainda do meu amor:
tamanha foi a espera que eu já não sei. Mas ficarás
para sempre
como o ultimo anseio do meu corpo - ainda que o perfume
eu esqueça.
Coisa rara - e esse pescoço esguio onde uma madrugada
imaginei......Quero-me convencer
de que tu não vieste - quantos hojes num para sempre ? -
e que ainda te aguardo. Sim imaginei-nos
um beijo.
Miguel Rovisco

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Se tu viesses ver-me.........



Se tu viesses ver-me...

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


Florbela Espanca

domingo, 19 de abril de 2009

Clarice Lispector ......

A amante humilde

É uma oração a Deus humano, demasiado humano, causa de todos os males, fonte do Supremo Bem, esperança numa outra vida. É uma oração de quem peca pelo pensamento, ao cometer o pecado de pensar. É o conhecimento iluminante, o amor unitivo, o êxtase da alma, a alegria dos sentidos.


«Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase.

Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como respostao amor materno que nutre e embala.

Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua.

Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.

Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

"Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente! Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão...
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre! Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das ideias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes... Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: - E daí? EU ADORO VOAR!"

sábado, 18 de abril de 2009

Quando os meus olhos te tocaram.......


Quando os meus olhos te tocaram
Eu sei que encontrara
A outra metade de mim
Tive medo de acordar
Como se vivesse um sonho
Que não pensei em realizar
E a força do desejo
Faz-me chegar perto de ti
(...)
Estas linhas que hoje escrevo

São do livro da memória

Do que eu sinto por ti
E tudo o que tu me dás

É parte da história que eu ainda não vivi

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Não sei quantas almas tenho.......


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 4 de março de 2009

Estende a tua mão

estende a tua mão contra a minha boca e respira,
e sente como respiro contra ela,
e sem que eu nada diga,
sente a trémula, tocada coluna de ar
a sorvo e sopro,
ó
táctil, ininterrupta,
e a tua mão sinta contra mim
quanto aumenta o mundo

Herberto Helder

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Fleet Foxes

Ato de Contrição


Ato de Contrição


Pelo que não fiz, perdão!

Pelo tempo que vi, parado,

correr chamando por mim,

pelos enganos que talvez

poupando me empobreceram,

pelas esperanças que não tive

e os sonhos que somente

sonhando julguei viver,

pelos olhares amortalhados

na cinza de sóis que apaguei

com riscos de quem já sabe,

por todos os desvarios

que nem cheguei a conceber,

pelos risos, pelas lágrimas,

pelos beijos e mais coisas,

que sem dó de mim malogrei


— por tudo, vida, perdão!

Adolfo Casais Monteiro



sábado, 17 de janeiro de 2009

Jorge Nicholson Moore Barradas, (Lisboa, 1894 - 1971)



Pintor português, Jorge Nicholson Moore Barradas nasceu em 1894, em Lisboa.
Os seus primeiros trabalhos, incursões no campo da caricatura e da ilustração, recolheram da crítica da época os melhores elogios. Enquanto ilustrador, colaborou em importantes jornais e revistas, como a Ideia Nacional , Seara Nova e Ilustração Portuguesa .
A experiência no campo das artes gráficas influenciou as suas primeiras obras, caracterizadas por um equilíbrio de cor, texturas e luz, associado a uma simplicidade do tratamento das formas.
Jorge Barradas estabeleceu a ligação entre a inspiração naturalista e a tendência fauve em representações da cidade de Lisboa e das suas gentes. Os seus quadros mais famosos retratam as lavadeiras e as vendedoras ambulantes de Lisboa, na azáfama do dia-a-dia. Na sua obra pictórica, executada sobre suportes de grande formato, a linearidade e simplificação dos corpos humanos convive com jogos de contraste de cor e luz, caracterizadores do Fauvismo.
Em meados dos anos 40, estende a sua actividade artística à cerâmica, produzindo peças de cariz decorativo.
Ainda nessa década, contribui para a decoração do café "A Brasileira" e do "Bristol Clube" em Lisboa.
Faleceu na capital no ano de 1971.

Jorge Barradas. In Infopédia, Porto: Porto Editora, 2003-2009. [Consult. 2009-01-17].

sábado, 10 de janeiro de 2009

Manuel António Pina



A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

Manuel António Pina

Os paraísos artificiais....


Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

Jorge de Sena

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

LUIZ PACHECO

«e, de repente, apetece morrer. Apetece o grande sossego, imóbil e definitivo. Realmente dormir acabado. O silêncio. A solidão sem sobressaltos paisagens caras novas. A paz connosco. E sem espelho. Não ver ninguém, já mais ninguém. Esta esperança mais que certa seja acompanhada de cantos e alegria. Sem olhar para trás, para quem fica andando, inda ache graça. Os imprevisíveis lamentáveis acidentes da nossa viagem, mesmo os veniais, aqueles de que nos não demos conta na altura mas ficaram vibrando ocultos em nós como alarmes parasitas, clandestinos mas insistentes, uma térmita na aparência insignificante inofensiva embora voraz e teimosa, continuaram ressoando corroendo desfazendo lentamente uma qualquer fibra que nunca saberemos onde estava e era importante. Não se previa já? ou seria então o alvo determinado, a rota desde sempre planeada que muito nos espanta permanecesse assim mascarada doutros caminhos possíveis. A sabermos tudo antes, que chateza, que falta de iniciativa! morte prematura. Insisto, jogando no António Maria Lisboa: apetece descansar e deixar os outros descansar e descansados.»

LUIZ PACHECO (1925-2008)

[in Textos de Guerrilha 2, Ler Editora, 1981]

          Anarcaqista    Quanta anarquia guardo  Quanta mudança existe em mim  Hoje, fecho os olhos, na rua, nos transportes, em tudo onde t...